Os textos redigidos em classe precisam de um
destinatário

De acordo com Bernard Schneuwly e Joaquim Dolz, o trabalho com um gênero em sala de aula é o resultado de uma decisão didática que visa proporcionar ao aluno conhecê-lo melhor, apreciá-lo ou compreendê-lo para que ele se torne capaz de produzi-lo na escola ou fora dela. No artigo Os Gêneros Escolares - Das Práticas de Linguagem aos Objetos de Ensino, os pesquisadores suíços citam ainda como objetivo desse trabalho desenvolver capacidades transferíveis para outros gêneros.
Para que a criança possa encontrar soluções para sua produção, ela precisa ter um amplo repertório de leituras. Essa possibilidade foi dada à turma de 9º ano da professora Maria Teresa Tedesco, do Centro de Educação e Humanidades Instituto de Aplicação Fernando Rodrigues da Silveira - conhecido como Colégio de Aplicação da Universidade Estadual do Rio de Janeiro. Procurando desenvolver a leitura crítica de textos jornalísticos e o conhecimento das estruturas argumentativas na produção textual, ela propôs uma atividade permanente: a cada semana, um grupo elegia uma notícia e expunha à turma a forma como ela tinha sido tratada nos jornais. Depois, seguia-se um debate sobre o tema ou a maneira como as reportagens tinham sido veiculadas.
Paralelamente, os estudantes tiveram contato com textos de finalidades comunicativas diversas no jornal, como cartas de leitores, editoriais, artigos opinativos e horóscopo. "O objetivo era que eles analisassem os materiais, refletissem sobre os propósitos de cada um e adquirissem um repertório discursivo e linguístico", conta Maria Teresa, que lançou um desafio: produzir um jornal mural.
A primeira versão foi lida pela professora. "Sempre havia observações a fazer, mas eu deixava que os próprios meninos ajudassem a identificar as fragilidades", diz Maria Teresa. Divididos em pequenos grupos, os alunos revisaram a produção de um colega, escrevendo um bilhete para o autor com sugestões e avaliando se ela estava adequada para publicação. Eram comuns comentários como "argumento fraco", "pouco claro" e "falta conclusão", demonstrando o repertório adquirido com a leitura dos modelos.
"Envolver estudantes de 6º a 9º ano na produção textual é um grande desafio", ressalta Roxane Rojo, da Universidade Estadual de Campinas. "Muitas vezes, eles tiveram de produzir textos sem função comunicativa durante a escolaridade inicial e, por acreditarem que escrever é uma chatice, são mais resistentes." Atenta, Maria Teresa soube driblar esse problema. Percebendo que a turma andava inquieta com a proibição por parte da direção do uso de short entre as meninas, a professora fez disso tema de um editorial do jornal mural - a produção foi uma das melhores propostas do projeto.
"Para que alguém se coloque na posição de escritor, é preciso que sua produção tenha circulação garantida e leitores de verdade", diz Roxane. E todos saberiam a opinião do aluno sobre a questão, inclusive a diretoria. "Só assim ele assume responsabilidade pela comunicação de seu pensamento e se coloca na posição do leitor, antecipando como ele vai interpretá- lo." A argumentação da garotada foi tão bem estruturada que a diretoria resolveu voltar atrás e liberar mais uma vez o uso da roupa entre as garotas.
A criação de condições didáticas nas propostas para as turmas de 1º a 5º ano segue os mesmos preceitos utilizados pela professora Maria Teresa. "Em qualquer série, como na vida, produzir um texto é resolver um problema", ensina Telma Ferraz Leal. "Mas para isso é preciso compreender quais são os elementos principais desse problema."
Revisão vai além da ortografia e foca os propósitos
do texto
Produzir
textos é um processo que envolve diferentes etapas: planejar, escrever, revisar
e reescrever. Esses comportamentos escritores são os conteúdos fundamentais da
produção escrita. A revisão não consiste em corrigir apenas erros ortográficos
e gramaticais, como se fazia antes, mas cuidar para que o texto cumpra sua
finalidade comunicativa. "Deve-se olhar para a produção dos estudantes e
identificar o que provoca estranhamento no leitor dentro dos usos sociais que
ela terá", explica Fernanda Liberali.
Com a ajuda do professor, as turmas aprendem a analisar se ideias e recursos utilizados foram eficazes e de que forma o material pode ser melhorado. A sala de 3º ano de Ana Clara Bin, na Escola da Vila, em São Paulo, avançou muito com um trabalho sistemático de revisão. Por um semestre, todos se dedicaram a um projeto sobre a história das famílias, que culminou na publicação de um livro, distribuído também para os pais. Dentro desse contexto, Ana Clara propôs a leitura de contos em que escritores narram histórias da própria infância.
Os estudantes se envolveram na reescrita de um dos contos, narrado em primeira pessoa. Eles tiveram de reescrevê- lo na perspectiva de um observador - ou seja, em terceira pessoa. A segunda missão foi ainda mais desafiadora: contar uma história da infância dos pais. Para isso, cada um entrevistou familiares, anotou as informações colhidas em forma de tópicos e colocou tudo no papel.
Ana Clara leu os trabalhos e elegeu alguns pontos para discutir. "O mais comum era encontrar só o relato de um fato", diz. "Recorremos, então, aos contos lidos para saber que informações e detalhes tornavam a história interessante e como organizá-los para dar emoção." Cada um releu seu conto, realizou outra entrevista com o parente-personagem e produziu uma segunda versão.
Tiveram início aí diferentes formas de revisão - análise coletiva de uma produção na lousa, revisão individual com base em discussões com o grupo e revisões em duplas - realizadas dias depois para que houvesse distanciamento em relação ao trabalho. A primeira proposta foi a "revisão de ouvido". Para realizá-la, Ana Clara leu em voz alta um dos contos para a turma, que identificou a omissão de palavras e informações. A professora selecionou alguns aspectos a enfocar na revisão: ortografia, gramática e pontuação. "Não é possível abordar de uma só vez todos os problemas que surgem", completa Telma.
Com a ajuda do professor, as turmas aprendem a analisar se ideias e recursos utilizados foram eficazes e de que forma o material pode ser melhorado. A sala de 3º ano de Ana Clara Bin, na Escola da Vila, em São Paulo, avançou muito com um trabalho sistemático de revisão. Por um semestre, todos se dedicaram a um projeto sobre a história das famílias, que culminou na publicação de um livro, distribuído também para os pais. Dentro desse contexto, Ana Clara propôs a leitura de contos em que escritores narram histórias da própria infância.
Os estudantes se envolveram na reescrita de um dos contos, narrado em primeira pessoa. Eles tiveram de reescrevê- lo na perspectiva de um observador - ou seja, em terceira pessoa. A segunda missão foi ainda mais desafiadora: contar uma história da infância dos pais. Para isso, cada um entrevistou familiares, anotou as informações colhidas em forma de tópicos e colocou tudo no papel.
Ana Clara leu os trabalhos e elegeu alguns pontos para discutir. "O mais comum era encontrar só o relato de um fato", diz. "Recorremos, então, aos contos lidos para saber que informações e detalhes tornavam a história interessante e como organizá-los para dar emoção." Cada um releu seu conto, realizou outra entrevista com o parente-personagem e produziu uma segunda versão.
Tiveram início aí diferentes formas de revisão - análise coletiva de uma produção na lousa, revisão individual com base em discussões com o grupo e revisões em duplas - realizadas dias depois para que houvesse distanciamento em relação ao trabalho. A primeira proposta foi a "revisão de ouvido". Para realizá-la, Ana Clara leu em voz alta um dos contos para a turma, que identificou a omissão de palavras e informações. A professora selecionou alguns aspectos a enfocar na revisão: ortografia, gramática e pontuação. "Não é possível abordar de uma só vez todos os problemas que surgem", completa Telma.
Quando
a classe de Ana Clara se dividiu em duplas, um de seus propósitos era que uns
dessem sugestões aos outros. A pesquisadora argentina em didática Mirta Castedo
é defensora desse tipo de proposta. Para ela, as situações de revisão em grupo
desenvolvem a reflexão sobre o que foi produzido por meio justamente da troca
de opiniões e críticas. "Revisar o que os colegas fazem é interessante,
pois o aluno se coloca no lugar de leitor", emenda Telma. "Quando
volta para a própria produção e faz a revisão, a criança tem mais condições de
criar distanciamento dela e enxergar fragilidades."
Um
escritor proficiente, no entanto, não faz a revisão só no fim do trabalho.
Durante a escrita, é comum reler o trecho já produzido e verificar se ele está
adequado aos objetivos e às ideias que tinha intenção de comunicar - só
então planeja-se a continuação. E isso é feito por todo escritor profissional.
A revisão em processo e a final são passos fundamentais para conseguir de fato uma boa escrita. Nesse sentido, a maneira como você escreve e revisa na lousa, por exemplo, pode colaborar para que a criança o tome como modelo e se familiarize com o procedimento. Sobre o assunto, Mirta Castedo escreve em sua tese de doutorado: "Os bons escritores adultos (...) são pessoas que pensam sobre o que vão escrever, colocam em palavras e voltam sobre o já produzido para julgar sua adequação. Mas, acima de tudo, não realizam as três ações (planejar, escrever e revisar) de maneira sucessiva: vão e voltam de umas a outras, desenvolvendo um complexo processo de transformação de seus conhecimentos em um texto".
A revisão em processo e a final são passos fundamentais para conseguir de fato uma boa escrita. Nesse sentido, a maneira como você escreve e revisa na lousa, por exemplo, pode colaborar para que a criança o tome como modelo e se familiarize com o procedimento. Sobre o assunto, Mirta Castedo escreve em sua tese de doutorado: "Os bons escritores adultos (...) são pessoas que pensam sobre o que vão escrever, colocam em palavras e voltam sobre o já produzido para julgar sua adequação. Mas, acima de tudo, não realizam as três ações (planejar, escrever e revisar) de maneira sucessiva: vão e voltam de umas a outras, desenvolvendo um complexo processo de transformação de seus conhecimentos em um texto".
Ser autor exige pensar no enredo e na estrutura
O terceiro aspecto fundamental no trabalho de produção textual é
garantir que a criança ganhe condições de pensar no todo. Do enredo à forma de
estruturar os elementos no papel: é preciso aprender a dar conta de tudo para
atingir o leitor. Esse processo denomina-se construção de um percurso de
autoria e se adquire com tempo, prática e reflexão.
Os estudos em didática das práticas de linguagem fizeram cair por terra o
pensamento de que a redação com tema livre estimula a criatividade. Hoje
sabe-se que depois da alfabetização há ainda uma longa lista de aprendizagens.
Foi considerando a complexidade desse processo que Edileuza Gomes dos Santos,
professora da EM de Santo Amaro, no Recife, desenvolveu um projeto de produção
de fábulas com a 3ª série.
Ela deu início ao trabalho investindo na ampliação do repertório dentro desse
gênero literário. Só assim foi possível observar regularidades na estrutura
discursiva e linguística, como o fato de que os animais são os protagonistas.
"Escolhi esse gênero porque ele tem começo, meio e fim bem marcados, algo
que eu queria desenvolver na produção da garotada."
A primeira proposta foi o reconto oral de uma fábula conhecida. "Isso
envolve organizar ideias e pode ser uma forma de planejar a escrita",
endossa Patricia Corsino, da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Quando já
dominamos todas as informações de uma narrativa, podemos focar apenas na forma
de expor os elementos - mas esse é um grande desafio no início da escolaridade.
Na turma de Edileuza, as propostas seguintes foram a reescrita individual e a
produção de versões de fábulas conhecidas com modificações dos personagens ou
do cenário. Aos poucos, todos ganharam condições de inventar situações. A
professora percebeu que a turma não entendia bem o sentido da moral da
história. Pediu, então, uma pesquisa sobre provérbios e seu uso cotidiano.
Com essa compreensão e um repertório de ditados populares, Edileuza sugeriu a
criação de uma fábula individual. Ela discutiu com o grupo que elas geralmente
têm como protagonistas inimigos tradicionais (cão e gato ou gato e rato, por
exemplo). Estava colocada a primeira restrição para a produção. Em seguida, a
classe relembrou alguns provérbios que poderiam ser escolhidos como moral nas
histórias criadas.
Desde o início, todos sabiam que as produções seriam lidas por estudantes de
outra escola, o que serviu de estímulo para bolar tramas envolventes. "Há
uma diferença entre escrever textos com autonomia - obedecendo à estrutura
do gênero, sem problemas ortográficos ou de coerência - e se tornar
autor", diz Patrícia Corsino. "No primeiro caso, basta aprender as
características do gênero e conhecer o enredo, por exemplo. No segundo, é
preciso desenvolver ideias." Para chegar lá, a interação com professores e
colegas e o acesso a um repertório literário são fundamentais.
Do 6º ao 9º ano, o processo de construção da autoria pode exigir desafios que
sejam cada vez mais complexos: a elaboração de tensões na narrativa ou a
participação em debates para desenvolver a argumentação, como fez a professora
Maria Teresa, do Rio de Janeiro. "A reescrita, primeiro passo para a
construção da autoria, pode vir com propostas de produção de paródias, no caso
dos maiores, que exigem mais elaboração por parte das turmas", diz Roxane
Rojo. Uma boa forma de fazer circular textos nessa fase são os meios digitais,
como blogs e a própria página do colégio na internet. Os jovens podem se
responsabilizar por todas as etapas de produção, inclusive pela publicação, o
que os estimula a aprimorar a escrita. Levar os estudantes a se expressar cada
vez melhor, afinal, deve ser o objetivo de todo professor.
Fonte adaptada: http://acervo.novaescola.org.br/
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